A Gente Não Lê

Aí senhor das furnas

Que escuro vai dentro de nós

Rezar o terço ao fim da tarde

Só para espantar a solidão

Rogar a deus que nos guarde

Confiar-lhe o destino na mão

Que adianta saber as marés

Os frutos e as sementeiras

Tratar por tu os ofícios

Entender o suão e os animais

Falar o dialecto da terra

Conhecer-lhe o corpo pelos sinais

E do resto entender mal

Soletrar assinar em cruz

Não ver os vultos furtivos

Que nos tramam por trás da luz

Aí senhor das furnas

Que escuro vai dentro de nós

A gente morre logo ao nascer

Com olhos rasos de lezítia

De boca em boca passar o saber

Com os provérbios que ficam na gíria

De que nos vale esta pureza

Sem ler fica-se pederneira

Agita-se a solidão cá no fundo

Fica-se sentado à soleiro

A ouvir os ruídos do mundo

E a entendê-los à nossa maneira

Carregar a superstição

De ser pequeno ser ninguém

E nã quebrar a tradição

Que dos nossos avós já vem